GDA – Galeria de Artistas, São Paulo
2022
Imagens: Ana Pigosso


Crosta, Flora Leite, 2022, GDA, vistas gerais.
Crosta, 2022
Quatro obras se fazem no encontro da produção com a sala, gerando um acontecimento expositivo ao mesmo tempo mimético, ao estabelecerem relação íntimas com a sala, e idiossincrático, ao retomarem elementos particulares da pesquisa da artista. Dão ao espaço uma atmosfera peculiar, predominantemente em tons claros.
Usando seis tomadas paralelas e simétricas, ‘Dilúvio’ ilumina a exposição: luz escorre de seis conchas rentes ao piso brilhante e cinza. Pendentes do teto estão duas ‘Cloacas’, linhas de ovos esvaziados que saem de buracos no teto. Os buracos, pré-existentes à exposição, são parte integrante e condicionante do trabalho, cooptando assim a estrutura da construção para o mecanismo do trabalho: a edificação faz-se parte da obra, e das cloacas do prédio derramam ovos.
No fundo da sala, cobrindo a janela, está ‘Cobertura’, uma estrutura retangular de acabamento texturizado. O revestimento é um padrão usado com frequência na decoração doméstica, ao mesmo tempo que o brilho acetinado conferido aos desenhos circulares feitos de massa fazem as vezes de uma espécie de glacê dos bolos decorados. O sequestro da janela pelo trabalho corrobora para o clima ao mesmo tempo denso e sutil da exposição, criando uma espécie de mormaço.
São recorrentes na prática da artista trabalhos nos quais água escorre: sob um toldo, sobre uma vitrine, de dentro de um painel de aquário. São parte de um repertório da presença de fenômenos naturais e suas aparições em situações expositivas, como também se utilizam do escorrer da água como mote para contemplação, de cachoeiras a fontes de jardim. Numa portinhola semi-aberta, ‘Chororô’ goteja com uma certa manha, passando desapercebido por alguns olhares, ou, dada sua precisão, sendo confundido por um vazamento à espera de um encanador. Na exposição ouvimos sempre seu murmúrio.
Assim os trabalhos se configuram bastante rentes ao espaço e ocos em sua materialidade, transformando o espaço temporário através de uma atitude instalativa que em sua especificidade guia a expectadora a examinar não só o que está visível aos olhos, como também as decisões e procedimentos que levam esses trabalhos a se apresentarem – aos olhos – exatamente da maneira como são. Poças de luz, poças de água. Chuva que não chega ao chão. Janela coberta. Ovos que saem dos buracos. Trabalhos todos incrustados no espaço, que se fazem no encontro da produção com a sala: operam como uma Crosta.
Para a exposição, Flora Leite convidou o artista Wallace Vieira Masuko para fazer uma interlocução gráfica do projeto. O artista fez uma série de 5 cartões postais, um para a exposição e um para cada trabalho do espaço. Os postais convidam a pensar a exposição como um lugar do qual levamos souvenirs ao visitá-lo, carregando alguma memória ou compartilhando a visita com quem não esteve lá. Nos versos, o artista inscreve notas, desenhos, imagens que dialogam com os respectivos trabalhos, não somente em assunto mas em também em operação: cheio no que parece vazio, preciso no que parece solto.